Informações Gerais
 
O mural "Introdução Pictórica a Medicina Experimental no Brasil" está localizado na Rua Botucatu - 862. A obra possui 6 metros de comprimento e 4 metros de altura e foi executada conforme a velha técnica dos afrescos, na qual se empregam óxidos metálicos coloridos de mistura com pó de mármore e argamassa.
A proposta para a execução de um mural no saguão no então edifício dos Laboratórios de Farmacologia e Bioquímica foi aprovada pelo Conselho Técnico Administrativo da Escola Paulista de Medicina na reunião ordinária de 20 de junho de 1956. Esta reunião, presidida pelo Sr. Diretor Prof. Dr. José Maria de Freitas e secretariada pela Dra. Ida Paulini, contou com a presença dos seguintes conselheiros: Dr. Felício Cíntra do Prado, Dr. Jairo de Almeida Ramos, Dr. João Moreira da Rocha, Dr. Walter Pereira Lesser e Dr. Marcos Lindenberg.
Após ser aprovada a proposta do mural, Nerici passou a imaginar as cenas e a consultar a livros e monografias. Além da pura criação artística, algumas cenas eram baseadas em gravuras conhecidas. A figura de Hales medindo a pressão arterial carotidiana da égua foi sugerida com base em uma gravura do livro de Bettmann e Hench. A figura de Lavoisier e sua esposa, da gravura do livro de Holmyard. Na época em que foi pintado o mural ainda não se tinha conhecimento do retrato de Couty sem a barba nazarena. O pintor não deixou de se representar como Osvaldo Cruz. Dentre as crianças brincando, estão filhos dos à época docentes de Farmacologia e de Bioquímica. A presença de Dona Constança Eufrosina da Borba Pacca (esposa de Barbosa Rodrigues) e Marie-Anne Pierrette Paulze (esposa de Lavoisier) aludem ao fato de que vários casais trabalharam nos laboratórios de Farmacologia e Bioquímica.
Pietro Nerici trabalhou com dedicação e entusiasmo na execução desse mural durante quatro meses. O pintor dizia que o mural duraria enquanto subsistirem as paredes do edifício. Por fim, a construção deste mural é um exemplo de que vale colocar a alma inteira na concretização de um plano fiel e pacientemente elaborado.
 
Descriçao do Mural
 
"Começaremos a nossa descrição pelo canto inferior esquerdo onde 3 figuras de primeira grandeza da Medicina brasileira - Osvaldo Cruz, Adolfo Lutz e Gaspar Viana - surgem de Manguinhos, reconhecivel pela sua cúpula mourisca. Ao lado, outro instituto de linhas modernas revela ao observador a influência indutora da célula mater, responsável pela maioria dos centros de pesquisa biológica existentes no nosso País."
"O papel desempenhado pelo Instituto Osvaldo Cruz no terreno da Saúde Pública é calcado na cena das crianças brincando ao ar livre. Aquela vilazinha dependurada no morro lembra a origem de muitos que aqui trabalham e que na sua infância, sem preconceitos de cor, brincaram com arco, jogaram bola de panos ou empinaram papagaios."
"À esquerda, em cima, Lacerda e Couty estudam efeitos de plantas. João Baptista de Lacerda (1846-1915) foi o fundador do primeiro laboratório de Fisiologia existente no Brasil e Louis Couty (1854-1884), aluno de Vulpian, um dos primeiros a estudar, entre nós, os efeitos do café. Ambos acompanham o registro gráfico da pressão arterial do cão. Foi escolhido de propósito o assunto dada a natureza dos trabalhos experimentais aqui realizados. De um lado aspectos microscópicos do rim e de lesões renais encontradas, p.ex., na hipertensão experimental hormonal, e de outro lado, numa lembrança histórica, Stephen Hales (1677-1761) determinando pela primeira vez, experimentalmente, a pressão arterial carotidiana num equídeo."
"A direita, em cima, Lavoisier (1743-1794), assistido pela esposa a redigir o protocolo das observações, estuda as trocas respiratórias numa antevisão do que significam hoje para a Clínica Médica e a Semiologia as modernas técnicas da Bioquímica. Mais à direita, cortes e desenhos mostram a importância da Endocrinologia. No alto a representação esquemática da adenohipófise com seus três tipos celulares, a secreção de gonadotropinas, o endométrio, as gônadas, a genitalia, a lactação e a gestação. Mais à direita o aparelho tiroparatiroidiano, e à esquerda o galo normal e o capão dentro do ovóide testicular. Inferiormente o timoneiro lembra o ciclo dos navegantes portuguêses, o perigo do escorbuto e o alcance da Vitaminologia. As nossas frutas ricas em ácido ascórbico, o pombo com beri-berí e a representação de cristais de tiamina chamam de novo a atenção para o papel das vitaminas. Terminando a volta do painel, como se tivéssemos seguido a marcha dos ponteiros de um relógio, a obtenção do curare pelos índios do Amazonas e o consequente emprego dos bloqueadores ganglionares em Cirurgia a reviver a senda da Farmacologia desde o uso primitivo até o emprego racional e científico de novos medicamentos."
"O estudo das plantas, inclusive medicinais, feito pelos naturalistas que correram os nossos sertões e que tantas lições nos legaram, vem lembrado na figura de Barbosa Rodrigues (1842-1909) e de sua esposa quando, em missão do Governo Imperial, exploravam o vale do Amazonas. Junto às palmeiras o ramo de café e dentro do hexágono a esquematização da tecnologia industrial, sugestivos da potência e das realizações paulistas. No centro do mural o hexágono do benzeno - símbolo da Química dos organismos - reúne todos esses episódios das ciências fisiológicas e da nossa Medicina. Finalmente, a dominar todo o painel, a figura austera de Claude Bernard (1813-1878), lídimo representante do espírito latino e fundador da Medicina Experimental. A seu lado a esquematização da fórmula da glicose, do glicogênio no fígado e do ciclo de aproveitamento energético dos hidratos de carbono."
 
O Pintor
 
Pietro Nerici nasceu em Lucca na Toscana no dia 18 de setembro de 1918. Desde cedo começou a pintar influenciado e guiado por seu pai. Diplomou-se em 1941 pela Real Academia de Belas Artes de Florença, onde trabalhou sob a orientação de Felice Carena. No mesmo ano, recebeu o 1º Prêmio para afrescos na Exposição Nacional de Bolonha. Fez cursos de aperfeiçoamento em Roma e Milão e participou de divesas exposições, tais como: Viena, Dusseldorf, Berlim, Roma e Nápoles. Entre os vários afrescos que executou na Europa, merece referência especial o quadro "Última Ceia" presente no convento dos Carmelitas Descalços de Capannori, na província de Lucca.
Casou-se em 1944 com Virginia Tambellini, norte-americana filha de emigrantes italianos residentes em Pittsburg na Pensilvânia. Em 1948 o casal veio para o Brasil e fixou residência em São Paulo. Pietro Nerici executou trabalhos no hall do Hotel Flórida, no Banco Italo-Brasileiro, no Cine Paissandu, na Companhia Elevadores Atlas e na capela particular do Sr. Cardeal-Arcebispo de São Paulo. Ele também realizou trabalhos em Belo Horizonte, Santos e Campinas.
Além do afresco no saguão dos Laboratórios de Fermacologia e Bioquímica, o artista fez na Escola Paulista de Medicina o quadro "O Bom Samaritano", localizado na entrada do Pavilhão de Residência das Enfermeiras do Hospital São Paulo.
Fonte: número de setembro de 1962 da Revista "O Bíceps" ano XXIII, número 27, páginas 40-41 (cortesia do Prof. Dr. Durval Rosa Borges)
 
Referências
OL Bettmann e P.S. Hench - A Pictorial History of Medicine -Charles C. Thomas, Pubi. Springfield Illl. U.S.S., 1956, 319 pgs. (cf.pg. 199)
E.J. Holmyard - Chemistry to the Time of Dalton - Oxford Univer.Press, Londres, 1925, 128 pgs. (cf.pg.107)
J.R. Valle - A Obra científica e social de Eduardo Guimarães - Rev. bras. Hist. Med. 12:153-164 (cf. fig. pg. 155)
J.R. Valle - Atividade dos Laboratórios de Farmacologia e Bioquímica (1953-1958) - Tip. Rossolillo, São Paulo, 1959, 61 pgs. (cf. pgs. 15 e 47)
C.D. Leake - Some Founders of Physiology (contributors to the growth of functional Biology) - Am. Physiol Soc., Washington, 1956, 122 pgs
F. de Azevedo - As ciências no Brasil - Edições Melhoramentos, São Paulo, 2 vols., 412 e 40 pgs. aprox.1956
F.C. Hoehne - Notas bio-bibliográficas de naturalistas botânicos que trabalharam para o progresso do conhecimento da flora do Brasil. in O Jardim Botânico de São Paulo. Empr. Graf. Rev. Tribunais, São Paulo, 1942, 656 pg. (cf. pg. 27)
J. Reis - Um mural sugestivo. - "Folha da Manhã", São Paulo, 25 de maio de 1953