Envelhecimento e desigualdades: políticas de proteção social aos idosos em função da Pandemia Covid-19 no Brasil

A pandemia da Covid-19 traz desafios a todo o mundo, particularmente aos países de baixa e média renda, dada a fragilidade das políticas públicas. Estudo do Imperial College of London1 destacou o caráter global do desafio. Uma ação firme e coordenada dos governos, centrada no isolamento social para toda a população, poderá salvar milhões de vidas mundialmente. Sem desconsiderar o impacto socioeconômico, decisões emergenciais devem sopesar primordialmente a vida de todos, a despeito dos interesses imediatistas econômicos.

No Brasil, mais de 80% dos idosos dependem exclusivamente, para seus cuidados de saúde, do Sistema Único de Saúde (SUS). Essa proporção é ainda maior entre negros2 e pobres. Há anos o SUS vem sofrendo cortes orçamentários profundos, e muitos de seus equipamentos já estavam à beira de colapso por excesso de demanda, antes mesmo da pandemia. A desigualdade é gritante - como expressou claramente a jornalista Flavia de Oliveira “A crise da Covid-19 não forjou as mazelas do país. Escancarou-as”3.

Faz-se urgente reverter políticas que levem à desconstrução do SUS, especialmente, da Atenção Primária. Preocupa também um aumento predizível da mortalidade por outras causas em função da superlotação e dedicação prioritária dos serviços hospitalares a pacientes com Covid-19; da falta de testes, resultando em um subdimensionamento do problema; e da carência de respiradores e equipamentos de proteção individual (EPIs) colocando em risco a estrutura e a força de trabalho para suportar a demanda crescente de serviços.

A pandemia da Covid 19 mostra no Brasil, um rosto diferente:

mais jovem, pois muito antes dos 60 anos, adultos apresentam comorbidades que os colocam no grupo de alto risco;

muito mais “escuro”, pois entre os pobres mais pobres estão os negros. As questões de raça e etnia são imperativas - incluindo-se as populações indígenas, imigrantes e povos nômades. Sem essas informações, até aqui ausentes dos boletins epidemiológicos, não poderá haver direcionamento adequado de ações de enfrentamento;

mais feminina, pelo maior risco de profissionais de saúde mais expostos, pela situação de trabalho informal, por seu papel de provedoras de alimentos e cuidados para a família e pelo aumento da violência doméstica;

ainda mais idadista, uma vez que escolhas economicistas determinam a exclusão dos mais idosos aos serviços de saúde;

elitista, pois os mais pobres são preteridos no acesso a diagnóstico e tratamento seja onde for que vivam;

mais sofrida, dada a absoluta insuficiência de cuidados paliativos na rede pública.

Envelhece-se mal e precocemente no Brasil. Assim, as mortes pela Covid-19 no Brasil refletem não tanto nossa composição etária, mas sobretudo o fato de nunca termos tido políticas para um envelhecimento ativo e saudável, centrado em promoção da saúde, de aprendizagem ao longo da vida, de participação cidadã e proteção dos mais fragilizados4.

Portanto, o momento atual exige de todos solidariedade intergeracional e interdisciplinar. À semelhança de outros países, a resposta do Brasil à pandemia foi “muito pouco, muito tarde”5. Milhões de brasileiros não conseguem seguir as recomendações preventivas, não por não quererem, mas por não poderem: a exclusão social e as discriminações estruturantes negam-lhes uma existência plena de direitos. A Emenda Constitucional 95 reduziu ainda mais os recursos, da promoção de saúde à prevenção, da atenção primária aos serviços hospitalares; das condições sanitárias ao cuidado dos mais dependentes - tudo isso agravado pelos cortes profundos no orçamento das políticas sociais.

Quais respostas estão sendo oferecidas para proteger as pessoas idosas residentes em Instituições de longa permanência para idosos (ILPIs)? Como estão sendo cuidados e protegidos os profissionais que nelas atuam? Como garantir fluxos organizacionais para serviços de referência? Como adotar medidas urgentes para evitar as mortes anunciadas nessas instituições?

É fundamental reconhecer a existência de todos esses problemas e que a falta de conhecimento gerontológico os agrava6. As políticas de enfrentamento à pandemia devem considerar as evidências acumuladas pelos que estudam envelhecimento de modo a desenvolver diretrizes voltadas às necessidades dos idosos institucionalizados e aos mais fragilizados, considerando as limitações da infraestrutura formal de serviços e a ausência de cuidados integrados.

Por isso o Grupo Temático (GT) de Envelhecimento e Saúde Coletiva da ABRASCO (Associação Brasileira de Saúde Coletiva)5 tem se debruçado em reflexões e proposições que possam ampliar a resposta face à grave crise sanitária e política que o país vive. A prioridade absoluta que se impõe é proteger a população como um todo e em particular os idosos através do isolamento social visando o achatamento da curva epidêmica e assim prevenir o colapso dos sistemas de saúde público e privado.

Urge reforçarmos políticas para a atenção primária em saúde, criar estratégias de monitoramento remoto, garantir insumos de sobrevivência, oferecer orientações concretas e suporte às ILPIs, cuidar dos idosos que vivem em situação de rua, apoiar os idosos que cuidam de idosos ou que ainda trabalham na informalidade para sua subsistência, além de garantir abordagem humanitária e cuidados paliativos, quando necessário.

Políticas públicas precisam ser feitas com as pessoas e não para as pessoas. Nossos conselhos de direitos das pessoas idosas foram profundamente enfraquecidos no último ano, em particular o Conselho Nacional que pouco diálogo tem com a sociedade civil7.

Mais uma vez este GT denuncia: não considerar as evidências científicas e recomendações da OMS para a adoção de isolamento horizontal levará a um gerontocídio abjeto, desumano, indefensável.

Como parte do reconhecimento que as políticas públicas sejam feitas com as pessoas e não para as pessoas, a Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia em seu número temático acerca das políticas públicas construídas com as pessoas idosas, os convida a publicar seus artigos científicos que tragam luz à proteção coletiva à vida das pessoas idosas.

Professor Luiz Roberto Ramos

Publicado em REVISTA BRASILEIRA DE GERIATRIA E GERONTOLOGIA, v. 23, p. e200122, 2020.

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