Revista Internacional de Planejamento e Gestão em Saúde Covid-19 no Brasil: três dimensões para entender nossa tragédia

Dez meses após a confirmação do primeiro caso do Sars-Cov-2, em 26 de fevereiro de 2020, a situação epidemiológica no Brasil ainda é extremamente preocupante. O país, com 2,7% da população mundial, ocupa o segundo lugar em números absolutos de óbitos (171.420 óbitos) e o terceiro em casos confirmados (6.204.220), em um contexto de subnotificação grave, pois a testagem, desde o início da pandemia, vem sendo muito abaixo do necessário, restringindo-se a casos graves.

Esta situação trágica foi moldada pela combinação de três dimensões críticas concorrentes: (a) as graves deficiências na luta sanitária contra a pandemia; (b) desigualdade social estrutural, agravada pela ineficácia parcial ou total dos programas de apoio financeiro a populações vulneráveis, empresas e entidades subnacionais e (c) a postura política irresponsável do Presidente da República, Jair Bolsonaro, que de forma contínua e planejada forma, sabota e compromete esforços e iniciativas para combater a pandemia.

Graças ao nosso sistema de saúde universal - Sistema Único de Saúde (SUS) - e aos esforços de governantes e trabalhadores da saúde de entidades subnacionais, a tragédia não assumiu proporções ainda mais catastróficas. O governo federal se eximiu de responsabilidades na coordenação nacional do combate à pandemia, questão fundamental para um país de dimensão continental que possui uma estrutura político-administrativa que atribui responsabilidades pela gestão do sistema de saúde a municípios, estados e municípios. o governo federal.

Estabeleceu-se uma disputa política entre o Presidente da República, de um lado, e prefeitos e governadores, de outro, em relação à adoção de medidas de isolamento social, que nunca chegaram a ser devidamente cumpridas, o que em grande parte explica a manutenção da curva epidêmica em níveis elevados, por meses.

O Brasil possui uma rede abrangente de atenção básica, com mais de 48 mil unidades, responsável por 73% da população, e que foi fragilizada com o fim do Programa Mais Médicos pelo Brasil, do governo Bolsonaro. Desde o início da pandemia, essa rede tem operado abaixo de sua capacidade, sem equipamentos de proteção, sem coordenação, com exames insuficientes, deixando de cumprir seu papel na identificação de casos, isolamento de pacientes sintomáticos e busca de contatos.

A demora na aquisição de equipamentos de proteção individual, exames, insumos, respiradores e na ampliação do número de leitos de UTI é injustificável e já custou muitas vidas. A oferta de exames de biologia molecular continua muito aquém do necessário, e a rede de laboratórios de saúde pública, semiautomatizados e precários, sofre de falta de capacidade para atender a demanda. Embora o Brasil tenha um Programa Nacional de Imunizações bem-sucedido, a discussão em torno das vacinas contra a Covid-19 tem se tornado motivo de posições extremas e xenófobas em relação aos nossos parceiros internacionais, em especial os chineses.

No Brasil, a Covid-19 mostrou que definitivamente não era democrático. Chegou ao país através das classes altas, que vivem em grandes centros urbanos, avançou rapidamente para favelas, para então chegar ao interior do país, atingindo fundamentalmente os mais pobres em situação de alta vulnerabilidade social. No Brasil, mais de 13 milhões de pessoas vivem em favelas e cortiços, ou nas ruas, sem condições de se proteger da transmissão da doença e de cumprir o isolamento social. A exposição desigual à doença também é evidente entre presidiários (700.000), povos indígenas (912.000), quilombolas e assentamentos rurais, que vivem em condições precárias. Sem o apoio financeiro adequado e a adoção de políticas públicas inclusivas, que garantam condições de sobrevivência às pessoas em situação de vulnerabilidade, protegendo empregos e garantindo renda aos mais pobres, não tem sido possível sustentar políticas de isolamento social, única medida eficaz de controle , mitigação e contenção da pandemia.

O governo federal alocou até agora apenas US $ 113,5 bilhões para enfrentar a crise, mas a execução do orçamento é lenta e insuficiente para enfrentar a crise econômica e de saúde. O SUS, historicamente subfinanciado e, desde o golpe de 2016, desfinanciado, desde a implantação de um Novo Regime de Austeridade Fiscal que impôs o congelamento dos gastos públicos por 20 anos, responde com dificuldades à emergência sanitária, tendo US $ 7,18 bilhões para enfrentar Covid-19 mas que estão parcialmente implantadas, comprometendo a resposta do SUS. E esses recursos extraordinários não estão garantidos no orçamento de 2021, que não prevê recursos para fazer frente aos graves impactos da doença, sobre milhões de brasileiros que tiveram suas condições crônicas de saúde comprometidas naquele período.

O impacto da Covid-19 no Brasil está diretamente relacionado à crise política produzida pelo presidente da república, do qual pertence

Professor Arthur Chioro

Publicado em INTERNATIONAL JOURNAL OF HEALTH PLANNING AND MANAGEMENT, p. 1-3, 2021.

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